domingo, 29 de abril de 2012

O segredo da vida


Um dia, recebi uma visita. Eu estava na sala de televisão, vendo Lisa assistir à TV, quando uma enfermeira veio me avisar.
― Tem uma visita para você ― ela disse. ― Um homem.
Não era meu namorado problemático, que por sinal não era mais meu namorado. Uma pessoa internada lá pode ter namorado? Além do mais, ele não suportava entrar ali. Sua mãe também esteve internada num hospício, como fiquei sabendo depois; e ele não suportava lembrar disso.
Não era meu pai, que andava ocupado.
Não era o meu professor de Inglês no ginásio, que havia sido despedido e se mudara para a Carolina do Noite.
Fui ver quem era.
Ele estava de pé junto à janela da sala de visitas. olhando para fora : alto como uma girafa, ombros caídos, acadêmicos, pulsos aparecendo pelas mangas do paletó, cabelos claros espetados como uma auréola em torno da cabeça. Ao me ouvir chegar. virou-se.
Era Jim Watson. Fiquei contente em vê-lo ali, pois, nos anos cinquenta. ele descobrira o segredo da vida, e talvez agora me contasse qual era.
― Jim! ― exclamei.
Ele se aproximou, levitando. Quando conversava com alguém, levitava, hesitava e se anulava; e eu simpatizara com ele exatamente por isso.
― Você está ótima ― ele disse.
― E você esperava o quê? ― perguntei.
Ele sacudiu a cabeça.
― O que é que eles fazem com vocês, aqui? ― falou, num sussurro.
― Nada ― respondi. ― Não fazem nada.
― Isto aqui é horrível ― disse ele.
A sala de visitas era uma parte especialmente horrível do nosso pavilhão. Era imensa, entulhada com gigantescas poltronas forradas de vinil, que peidavam quando alguém se sentava.
― Não é tão ruim assim ― afirmei. Mas eu estava acostumada; ele não.
Ele levitou de novo até a janela e olhou para fora. Após uma pausa, chamou-me com um gesto do braço comprido.
― Olhe ― disse, apontando para alguma coisa.
― O quê?
― Aquilo ali. ― Apontava para um carro, um carro esporte vermelho, um MG, talvez. ― É meu, disse.
Como ele ganhara o Prêmio Nobel, provavelmente comprara o carro com o dinheiro.
― Bonito ― observei. ― Muito bonito.
― Podíamos ir embora ― sussurrou.
― Hã?
― Você e eu podíamos ir embora.
― De carro, você quer dizer? ― Eu estava perplexa. Seria esse o segredo da vida? O segredo da vida era fugir?
― Eles iriam atrás de mim ― falei.
― É veloz ― disse ele. ― Eu poderia tirá-la daqui.
De repente, tive por ele um sentimento de proteção.
― Obrigada ― respondi. ― Obrigada por me oferecer. É muita gentileza sua.
― Você não quer ir embora? ― Ele inclinou-se para mim. ― Poderíamos ir para a Inglaterra.
― Para a Inglaterra? ― O que é que a Inglaterra tinha a ver com o que quer que fosse? ― Não posso ir para a Inglaterra ― respondi.
― Você poderia trabalhar como governanta.
Durante dez  segundos fiquei imaginando aquela outra vida que começava comigo entrando no carro vermelho de Jim Watson e nós dois disparando a toda  do hospital para o aeroporto. A parte de ser governanta não me parecia clara. Aliás, nada me parecia claro. As cadeiras de vinil, as telas de seguranças, a campainha na porta da sala das enfermeiras: estas coisas, sim, eram claras.
― Agora eu estou aqui, Jim ― falei. ― E acho que é aqui que tenho que ficar.
― Tudo bem.
Não parecia aborrecido. Deu uma olhada na sala uma última vez e sacudiu a cabeça.
Fiquei ali, junto à janela. Minutos depois, vi-o entrar no carro vermelho e ir embora, o escapamento soltando pequenas baforadas esportivas. Em seguida, voltei para a sala de televisão.
― Oi Lisa ― falei. Era bom encontrá-la ainda ali.
― Humm ― disse Lisa.
Eu e ela nos acomodamos para um pouco mais de TV.
 
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