segunda-feira, 7 de maio de 2012

Ronda


Rondas de cinco em cinco minutos. Rondas de quinze em quinze minutos.Rondas a cada meia hora. Algumas enfermeiras diziam " ronda" quando abriam a porta. A maçaneta girando com um clique, a porta se abrindo com um estalo. Clique, giram a maçaneta, estalo, abrem a porta, "ronda", estalo, fecham a porta,clique,giram a maçaneta. Rondas de cinco em cinco minutos. Não dá tempo de beber um xícara de café, ler três páginas de um livro, tomar uma chuveirada.
Anos mais tarde, com a invenção dos relógios digitais, lembrei-me das rondas a cada cinco minutos. Era o mesmo jeito de assassinar o tempo, devagarinho, cortando-o em pedacinhos que iam sendo descartados como um pequeno clique, para nos avisar que o tempo passou. Clique, estalo, "ronda" , estalo, clique: mais cinco minutos da vida descendo pelo ralo. E transcorridos naquele lugar.
Aos poucos , cheguei às rondas  de meia em meia hora. mas as da Georgina continuaram a cada cinco minutos. Como o quarto era o mesmo, não fez diferença. Clique, estalo,"ronda", estalo, clique.
Esse era um dos motivos pelos quais preferíamos ficar sentadas em frente à sala das enfermeiras. A encarregada da ronda podia botar a cabeça para fora e dar uma geral sem nos incomodar.
Às vezes elas tinham a audácia de perguntar onde é que alguém estava.
Clique, estalo, "ronda" ... o ritmo era momentaneamente interrompido.
― Você viu a Polly?
― Não vou fazer o serviço que é seu ― rosnava Georgina.
Estalo, clique.
Antes que percebêssemos , ela estava de volta. Clique, estalo, "ronda", estalo, clique.
Aqui não parava nunca, nem mesmo  de noite. Era o nosso acalanto . Era o nosso metrônomo, nosso pulso. Era a nossa vida medida em doses pouco maiores do que as benditas colherinhas de café. Colheres de sopa, talvez? Colheres de lata, amassadas, transbordantes de algo que devia ser doce, as era amargo e se esvaía. se derramava sem que pudéssemos sentir o seu sabor: nossas vias.
 
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