quinta-feira, 5 de abril de 2012

O táxi


― Você está com uma espinha ― disse o médico.
Eu vinha torcendo para ninguém perceber.
― Você a espremeu ― ele prosseguiu.
Naquela manhã, quando acordei ( e acordara cedo para não perder a consulta), a espinha atingira um estágio de expectante maturidade, no qual pede para ser espremida. Era o seu anseio de liberdade. Libertá-la de sua pequena cápsula branca, espremendo até jorrar sangue, provocou-me um sentimento de realização.Eu havia feito tudo o que podia ser feito por aquela espinha.
― Você andou se espremendo ― disse o médico.
Fiz que sim com a cabeça. Já que ele ia insistir naquilo até que eu concordasse, então concordei.
― Você tem namorado? ― ele perguntou.
Tornei a fazer que sim com a cabeça.
― Problemas com o namorado? ― Não era uma pergunta, na verdade, pois ele mesmo já balançava a cabeça afirmativamente. ― Você andou se espremendo ― repetiu. De repente, saiu de trás da escrivaninha e avançou na minha direção. Era um homem gordo e tenso, moreno, de barriga compacta.
― Você precisa descansar ― proclamou.
De fato, eu precisava descansar, sobretudo por ter levantado tão cedo para vir ao médico, que morava num subúrbio elegante. Tive que mudar de trem duas vezes e depois deveria voltar pelo mesmo caminho para chegar ao trabalho. Só de pensar nisso eu já me sentia cansada.
― Não concorda comigo? ― Ele continuava ali de pé, na minha frente. ― Não acha que precisa descansar?
― Acho ― respondi.
Ele foi até a sala contígua, onde ouvi que falava ao telefone.
Volta e meia penso naqueles dez minutos seguintes...nos meus últimos dez minutos. Por um instante,senti vontade de me levantar e sair porta afora, caminhar as várias quadras até a estação para esperar o trem que me levaria de volta ao meu namorado complicado, ao meu emprego na loja de utensílios para cozinha. Mas estava cansada demais.
Ele voltou à sala, diligente, despachado e muito cheio de si.
― Consegui um leito para você ― disse. ― Você vai descansar. Só umas semanas, certos?
Seu tom de voz era conciliador e suplicante. ― o que me deixou assustada.
― Na sexta-feira eu vou ― respondi.
Estávamos na terça; talvez até sexta eu não quisesse mais ir. Ele avultou à minha frente, com sua barriga.
― Não. Você vai agora.
Aquilo me pareceu um pouco despropositado.
― Tenho um compromisso para o almoço ― argumentei.
― Esqueça ― ele disse. ― Você não vai a esse almoço.Vai para o hospital.
Seu ar era de vitória.
Aquele subúrbio, antes das oito da manhã, era muito tranquilo. E nenhum de nós tinha algo mais a dizer. Ouvi o barulho do táxi estacionando na entrada de carros do consultório do médico.
Ele me pegou pelo cotovelo, que apertou entre os dedos grandes e grossos, e me conduziu para fora. Sem largar do meu braço, abriu a porta traseira do táxi e me empurrou para dentro. Sua cabeçorra pairou um instante ao meu lado, sobre o banco traseiro. Então ele bateu a porta.
O motorista abaixou o vidro até a metade.
― Para onde?
Sem paletó na manhã fria e com as pernas grossas bem plantadas na entrada de carros, o médico ergueu o braço e apontou pra mim.
― Leve para o McLean ― disse. ― E não permita que ela desça no meio do caminho.
Deixei a cabeça cair sobre o encosto e fechei os olhos. Sentia alívio por estar em um táxi e não ter que esperar o trem. 
 
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